O QUE A JUVENTUDE QUER.
Onésimo Remígio
Quem já não ouviu, ou disse, frases como estas: “a
mocidade hoje não quer nada”, “a juventude de hoje está perdida”, “no meu tempo
era diferente”. Criou-se com isso um estereótipo, anacrônico e preconceituoso, sobre
as crianças e adolescentes de hoje. E sempre tem sido assim: uma geração
espelha-se em si mesma para avaloar e questionar os valores atuais de outra. E
isto é estereótipo, um clichê usado de modo uniforme a todos os indivíduos de
uma sociedade ou grupo, apesar das suas diferenças; é um anacronismo, pois
atribui aos dias atuais um sentimento e costume que são de outra época; é
preconceituoso, pois é um rótulo, um juízo de valor formado antecipadamente e
sem fundamento sério.
As pessoas “esquecem” com facilidade que a História é a
justaposição e intersecção de gerações, culturas e sociedades. Quem sempre acha
que o passado do Brasil é melhor que o presente, com certeza esqueceu as
melhorias de hoje e os dissabores de antes. Quer exemplo? Acessibilidade à
educação: antes a escola pública era um privilégio de poucos e, se havia uma
melhor qualidade, tinha também um funil que limitava a ascensão social da
maioria através do estudo. Para muitos, o grande nó da educação nos dias atuais
é a qualidade, mas convém lembrar que para avaliar a qualidade do ensino e da
aprendizagem nas escolas brasileiras vários processos e contextos devem ser listados,
desde a municipalização dos anos 90 até o arbítrio imposto pelas avaliações
externas.
Uma
geração que tudo quer, desprotegida...
Talvez a juventude de hoje não queira nada porque ela quer tudo mais intensamente e rápido que
as gerações anteriores, além de viver suas relações e emoções com mais
liberdade e conhecimento. E quanto a esta geração de rapazes e moças dos anos
80 e 90 encontrar-se perdida, ela está tão perdida quanto aquela dos hippies, do rock-and-roll e da resistência armada à ditadura civil-militar, a
geração que os antecede e que moldou o mundo em que vivemos. Como ela pode
estar perdida tendo acesso a tanta informação, a tanto controle, a tantos meios
e possibilidades?
O potencial desta nova geração que vem dos anos 80 e 90
é incrível e, contrariando todos os prognósticos, ela tende a se envolver na
discussão dos problemas sociais e suas soluções. Para esta mocidade, o futuro é
o agora. Ela representa 20% da população
brasileira e não quer esperar para depois mudanças básicas e estruturais na
sociedade brasileira, daí porque as ruas de muitas cidades viraram caldeirões
de protestos recentemente. Mesmo com todos os avanços conseguidos pelos últimos
governos, a juventude que aí está
compreendeu rapidamente que as necessidades
básicas não supridas a deixa desprotegida, não perdida. Perdido estará qualquer
governo que não sintonizar suas ações com os gritos das ruas e os resultados
das urnas.
Questões
sociais e preconceitos.
Na maioria das vezes, os rótulos que são apresentados
sobre a juventude esconde as questões sociais que geraram os problemas em que a
mesma vive. Um triste exemplo é como as diferentes mídias tratam os jovens
infratores: o alvo é o Estatuto da Criança e do Adolescente, isso por conta dos
diversos “crimes perpetrados por adolescentes”. Crimes devem ser punidos
conforme a legislação vigente ou que se criem ou mudem as leis existentes para
resolver a discussão em torno do jovem infrator. Mas o que merece mais atenção
são as questões sociais que geram e reproduzem a violência.
Os medos e a dura realidade.
Ela diz que “ao preconceito e à discriminação de
classe, gênero e cor adiciona-se ainda o preconceito e a discriminação por endereço” – mais um adicional para a prática do
bullying, tão recorrente nas escolas, locais de trabalho e entre certos grupos
sociais. Continuando, explica que isso ocorre “porque pelo Brasil afora há
favelas, conjuntos habitacionais, periferias que expõem particularmente os
jovens à violência e à corrupção dos traficantes e da polícia. Apenas por morar
nessas áreas pobres e violentas, os jovens tornam-se suspeitos e criminosos em
potencial”.
CURTA O CD "DESORIENTADO" (download), DO GRUPO DE RAP ORIENTE - Texto (reportagem) sobre o grupo Oriente e espaço para vaixar o Cd.
Segundo a cientista social Regina Novaes (NOVAES,
2005), a geração jovem atual tem três características: o medo de morrer, referindo-se ao alto número de jovens vítimas da
violência letal, principalmente a população jovem negra e masculina; o medo de sobrar, por causa dos índices de
exclusão social e econômica a que os jovens se encontram submetidos em nossa
sociedade, em especial no que tange à questão do desemprego e à marginalização
social; e o medo de ficar desconectado,
referindo-se ao risco de não pertencimento aos grupos sociais nos quais convive”.
Segundo ela, em entrevista ao blogue Acesso (www.blogacesso.com.br), as
demandas das juventude são diversificadas “já que entre eles há diferenças e
desigualdades sociais”. Ela informa que os “jovens do campo sofrem as maiores
dificuldades para ter acesso à educação e ao lazer. Entre os mais pobres, os
negros e as mulheres, estão as maiores ameaças do desemprego. Dentre os jovens
negros do sexo masculino destacam-se os índices de mortes violentas. Jovens
homossexuais sofrem preconceito e discriminação. Jovens portadores de
deficiências veem bloqueados seus acessos à cidadania”.
Para a Regina Novaes, “a juventude brasileira espelha a
sociedade brasileira e, em tempos de globalização, é afetada por rápidas
mudanças tecnológicas, pelo sentimento de insegurança e pela dificuldade de
projetar o futuro”. Essa dura realidade não poupa ninguém, “todos – dos mais
ricos aos mais pobres, no campo e na cidade – são atingidos pela dinâmica do
mundo do trabalho restritivo e mutante. Além disso – paradoxalmente –, em um
mundo em que a ciência avança e proporciona maior expectativa de vida, todos
experimentam o medo da morte precoce e violenta...”.
O que
a juventude deseja...
A história parece ter flashbacks que dão ideia de repetição, de déjà vu, aquela sensação de ter visto ou vivido alguma coisa
anteriormente. Pois a história tem dessas armadilhas, e elas são significantes. Quando
se estuda a História do Brasil e se fala da Primeira República, também chamada
de Oligárquica ou Velha, tem um movimento que bateu de frente com padrões e
valores da sociedade paulistana daquela época: a Semana de Arte Moderna, que preconizava,
pelos anos à fora, um vendaval de mudanças na cultura, nas artes e no modo do
brasileiro ver o Brasil e o mundo. Pode-se concluir que o movimento modernista
brasileiro, um tanto tardio, balançou os alicerces da sociedade a partir do
momento que se tornou iconoclasta dos “valores culturais” então vigentes. Era
um pensamento novo, com muitos jovens, produzindo alterações. O tempo força
mudanças, sempre, mesmo que venham a parecer retrocessos, pois o ser humano é tão
mutável quanto o caminho das águas, o rio: a água continua em substância a
mesma, mas o leito por onde escorreu jamais tornará ao que era antes, mesmo
continuando terra, pedregulhos, argila.
O que a juventude quer, no resumo, é respeito,
seriedade, oportunidade, vez, voz e tudo o mais que as gerações anteriores
queriam. Muito das artes que produzem e se envolvem tem engajamento social ou
político, tem conotação do seu cotidiano e é algo importante na estrutura de
construção de novos espaços pessoais e sociais. Essas artes, seja grafite,
pintura, dança, moda, letra de música, teatro, são como marcos, como estamentos
que estão revolucionando as culturas, as sociedades, a civilização.
Junte-se a isso a internet, o uso e o acesso às várias
mídias e tecnologias da informação. Embora não seja unanimidade tal pensamento,
nunca houve tantos autores e consumidores da palavra escrita como hoje, e isso
graças às redes sociais. Não entrando no mérito do “internetês” usado, a
juventude está ligada, criando, digitando, reproduzindo, expressando opiniões,
reinventando os idiomas e estilos, abrindo novos meios de pertencimento. E com
isso, também as ilhas periféricas e rurais serão alcançadas, envolvidas pelas
mudanças que esta juventude de hoje traz. Apenas seguem os passos de muitos
outros que a antecedeu. E, talvez, o que a juventude hoje realmente queira é viver
o seu tempo, mesmo que isso implique cometer erros, desbravar novas
oportunidades, impor novos conceitos e envelhecer de um jeito mais jovem de
ser.
CURTA O CD "DESORIENTADO" (download), DO GRUPO DE RAP ORIENTE - Texto (reportagem) sobre o grupo Oriente e espaço para vaixar o Cd.
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