que visa reformulação
do Ensino Médio
Formação profissional x formação humana
“Um dos pontos negativos da escola é que os professores têm uma visão que o aluno só está em sala para aprender algo para trabalhar, não para ter mais conhecimento. Outro ponto é não ouvir o jovem, só passar a lição e não querer saber nosso ponto de vista sobre o assunto. O espaço escolar é cheio de grades, há três portões para poder entrar. Eu me sinto uma prisioneira, me sinto na prisão”.
O depoimento acima é de Thayná Bernardo da Silva, de 16
anos, aluna do 3º ano de ensino médio de uma escola pública da Zona Sul da
capital paulista. O entendimento da estudante de que a escola não serve apenas
como porta de entrada para o trabalho também ganha eco entre especialistas que
discutem a questão e criticam o projeto de lei da Câmara dos Deputados que leva
em consideração a formação profissional em detrimento à formação humana.
A Comissão Especial de Reformulação do Ensino Médio
Criada em 2012, a Comissão Especial de Reformulação do
Ensino Médio criou o Projeto de Lei 6840/2013, que muda a forma como a
modalidade aparece na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e defende sua jornada em
tempo integral, uma nova organização dos currículos, divididos por áreas do
conhecimento (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas) e
a opção do aluno escolher apenas uma delas no 3º ano e voltar à escola caso
mude de ideia. Além disso, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) passaria a
compor até mesmo o histórico do aluno e o ensino profissional já faria parte da
formação regular.
Para professores que pensam a educação, no entanto, a ideia
não passa de uma desculpa para preencher o vácuo de mão de obra existente no
país, deixando de lado a formação humana do estudante, que vai muito além da
exigida no mercado de trabalho.
“É preciso pedir mais discussão. Quando pensamos na LDB, que
foi aprovada após dez anos de discussão, temos risco do capítulo do ensino
médio ser todo modificado”, criticou a professora Sandra Regina Garcia,
especialista em políticas públicas da Universidade Estadual de Lavras (UEL-PR),
durante seminário promovido pelo Observatório Jovem, da Universidade Federal
Fluminense.
Sandra aponta ainda um problema na diversificação curricular
do estudante ao chegar ao terceiro ano, quando poderá optar por uma área do
conhecimento. “Se ele fizer só um, ele vai continuar seus estudos só nessas
área; se ele tiver a possibilidade de ir para o nível superior, só vai poder
estudar naquela área que escolheu [na escola]. E se achar que errou na escolha,
vai ter que fazer novo terceiro ano, para pensar outra opção”, indica.
Paulo Carrano, professor da UFF e coordenador do
Observatório Jovem concorda. “A quem interessa fazer tanta correria e pegar
tantos atalhos? O que vemos são atores muito interessados em reduzir a formação
humana. A pior coisa é jogar na lata de lixo a formação humana integral
conquistada nas diretrizes curriculares, que dão base para um diálogo
nacional”.
As relações e o significado da escola
Para o professor Juarez Dayrell, da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), o processo educacional é essencialmente feito de relações,
e pensar no jovem é pensar numa categoria relacional. “Existe jovem porque
existe adulto, e escola é feita por uma relação intergeracional. É a escola que
funda a perspectiva do jovem como sujeito e o coração da escola é a relação
professor-aluno. Se essa relação vai mal, o processo de escolarização também
vai mal”.
Intitulada “A maior zoeira: experiências juvenis na
periferia de São Paulo", a tese de doutorado do professor de Antropologia da
Universidade de São Paulo Alexandre Pereira traz um retrato de como as escolas
ainda não estão preparadas para lidar com as variadas formas de ser dos jovens.
“Pelo que observei nas escolas, o maior desafio da educação no ensino médio
está, em primeiro lugar, no modo como essa escola lida ou trabalha com os
adolescentes e seus modos de vida. Percebi que havia por um lado a lógica
engessada da forma e do tempo escolar e, por outro, as práticas do que os
alunos chamavam de zoeira: gozações, brincadeiras e modos de, justamente,
driblar essa forma e tempo engessado da escola”.
09/05/2014
Por Julia Dietrich
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